terça-feira, 5 de julho de 2011

Prece a Poesia

Primeiro de tudo peço desculpas pela minha ausência na semana passada, mas realmente não tinha o que postar, e não fui assaltado por alguma indignação política recente para escrever (apesar de tê-las várias, apenas não vieram o suficiente para serem escritas). Este é o problema de ter obrigatoriedade de postagem, às vezes não tenho o que postar, e mesmo tendo alguns poemas ainda não 'publicados', nem sempre sentimos vontade de postar algo antigo.

Enfim, comecei a escrever o seguinte texto no ônibus em quanto voltava da faculdade, rascunhando algumas coisas no celular, ao voltar para casa terminei. Bem, espero que gostem, e como sempre, estou aberto para comentários e afins.

Abraços e, espero, até semana que vem!

Prece a Poesia (Ricardo José)

Se a poesia algum dia servir para algo, peço-a que embeleze a cinza ruína das cidades, que seja como primavera no outono de laços humanos, veraneie o inverno de mortes esquecidas, apague a pobreza do espírito e a miséria do material, extirpe a fome dos homens que abusam, acabe a fome que mata, as barrigas inchadas de miséria e fome e seca, seja como o sol da manhã e ilumine os sem caminho, os perdidos, os ausentes, os mortos, e principalmente os vivos, semeie na tristeza alguma alegria - qualquer alegria. Acabe com a angústia de se enforcar na morte calada da solidão, da noite pérfida e cruel das almas desesperadas, dos corpos mudos de afeto, surdos de empatia, eternamente cegos...

Salve-as, poesia. Salve o contorno das mulheres, a inocência dos que nascem, a inteligência e a honra dos que viveram, a sanidade dos que vivem. Salve a escuridão do mar no final da noite, que é para os homens se lembrarem de como são pequenos, como são ínfimos, como são efêmeros. Salve a lua, mas a esconda de vez em quando, que é para ter qualquer motivo de tristeza, pois, como após a última nota sempre se repete a primeira, da tristeza deve nascer qualquer motivo de alegria. Salve as cores, mas não o preconceito, salve as diferenças, mas não a segregação, salve a humanidade. Salve tudo em suas palavras.

Sei que te peço muito, mas salve o mundo das palavras duras que matam, que fazem chorar, abjetas, ávidas por corroer o pensamento, as ações, os símbolos, os significados, as ideologias, a realidade. Salve o mundo do desafeto e do discurso fácil de fascismo e ditadura, de morte e roubo, de sangue e caos. Salve-os do afogamento, dos esquecidos, dos partidos, dos arrependidos, da inanição, da guerra, da morte que é o fim de tudo, dê-lhes, poesia, dê-lhes um motivo pelo qual viver a morte, faça-os acreditar na mudança, no mundo, na existência, sussurre-os teus versos, tua arquitetura, tuas linhas tortas, teu corpo de contornos suntuosos, macios, atrevidos, tímidos como desejosos amantes, tua rima sem rima, tua transitividade sem complemento, tua oração sem verbo, tua frase sem palavra, tua expressão sem sentido e sem pontuação, seu sentido inevitável, imponderável, incorruptível, eterno.

Discorro em prosa, poesia, eu sei... Pois no fundo acho que esteja morta, ou se não, esqueceu dos seus profetas, deixou-os loucos, esperando seu retorno. Você veio, poesia? Você alguma vez veio? Afinal, você existe? Por favor, exista... Exista mesmo que ilusão, mesmo que ideologia. Não! Exista como ilusão, como ideologia! Salve os sonhos da realidade, permita-os sonhar, poesia, permita-os sonhar uma vez... Sempre...

Desculpe, poesia, mas ao menos salve o significado do amor, que mesmo no teu dicionário frio é como poesia.

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