sábado, 21 de maio de 2011

Pensamento Andarilho - E o que acontece com o futuro?

Das muitas viagens que fiz a maioria delas foi com meu pai, e sempre que ficávamos longas horas na estrada ele me contava histórias de seu passado, como era a vida dele, me dava conselhos e sempre havia suas devidas observações sobre o que ele fez tal ano. Ele nunca deixou de me contar nada, creio eu, porque até as mais sórdidas histórias não passavam batido, só se, por ventura, uma delas seja tão sórdida que nem ele queira mais se lembrar.
Em uma de nossas viagens, meu pai me contou essa história. Não estava nem nascido na época do ocorrido, mas lembrei como se estivesse lá.

Meu pai ainda era novo quando decidiu o que queria fazer de sua vida, influenciado e guiado pelo seu irmão mais velho, queria prestar  vestibular para medicina. Sempre muito empenhado, estudava dias e noites achando que o que fazia era pouco e não bastava. De família pobre tinha que estudar nas bibliotecas públicas, às vezes, como tinha que estudar uma grande quantidade de livros, estudava alguns na biblioteca e o resto levava para casa. Rotina difícil, mas o fez passar no vestibular.
Seu irmão era, já naquela época, oficial do exercito, quando o exercito fazia a política do país. Por isso, meu pai, queria também entrar no exercito imediatamente. Porém medicina era a prioridade e, como seu irmão, iria entrar como médico oficial do exercito após a faculdade.
No alistamento militar, a situação foi, pelo menos para mim, engraçada.
- Eu passei para a faculdade e gostaria de fazer o curso, com poderia proceder?
Um cara gordo que o atendia rebateu com certa ironia.
- Passou para educação física é?
- Não senhor, medicina.
Na mesma hora ele arregalou o olho.
- Oh Doutor! Claro, vamos ver aqui.
Assinou algo no certificado e o entregou para meu pai.
Com isso, conseguiu servir depois da faculdade, como oficial e lá conheceu um homem que virou seu melhor amigo ali.
Um dia de chuva conversavam em suas posições.
- Você vai sair daqui um dia?- Meu pai era questionado.
- Acho que sim, muito repressor trabalhar aqui dentro, parece que eles tem uma certa raiva de mim, implicância, sabe?
- Sim, eles têm isso porque você é formado, não entrou como soldado, se sair daqui pode ter uma brilhante carreira de medico aí fora, eles não.
- Mais todos aqui são poderosos, duvido não conseguirem algo.
- São poderosos enquanto forem do exercito, e enquanto durar esse governo.
- Melhor a gente não falar muito, mas, e você, um dia vai sair daqui?
- Sim, claro! Quero abrir minha própria clínica! Ser médico mesmo! Chega dessa história de exercito, pra mim já deu.
E os dois se recolheram do plantão pela hora.
No mês seguinte meu pai decidiu sair, queria prosseguir com seus sonhos e percebeu que ficando ali nada aconteceria.
- To indo meu amigo.
- Mas já vai? Não sabia que seria tão rápido.
- É, vou ver o que consigo por aí, talvez até abrir uma clínica também.
- Me espera hein! Seremos sócios!
- Vou esperar. Adeus.
- Tchau!
Daí em diante, com o passar dos anos nunca mais se viram e nem se falaram, porém chegou a época do fim da ditadura.
Meu pai estava em um congresso aonde falaria para militares em uma base. Doenças cardiovasculares e outras coisas foram os assuntos que o levou a ver seu amigo, virará coronel e vestia uma farda conversando com outros oficiais.
- Você!? Não acredito que é você!?
Sua expressão era de preocupação, mas mesmo assim não escondeu o fato de estar feliz com a presença de seu amigo.
- Sim, sou eu e é você, veja! É você que vai dar a palestra?
- Isso mesmo
- Olha só para você! Conseguiu virar um médico importante!
- E você, você disse que ia sair do exercito.
- Aconteceram coisas, fiz coisas horríveis e por isso foram colocando estrelas no meu peito. Estrelas que não mereço.
- Ora, não se preocupe, você ainda tem seu diploma da faculdade, você ainda é médico.
- Deus quisesse que fosse assim.
Meu pai não sabia, mas para chegar ao cargo que chegou, seu amigo teve que desistir de muitas coisas, inclusive da própria vida, dos próprios sonhos. Para fazer torturas, intrigas e outras coisas, levou estrelas e dinheiro, mas também levou a culpa. Infelizmente, ao invés de estar salvando vidas, estava as tirando. Sua culpa era tão grande que começou a sofrer de depressão, mas não podia sair do exercito, seu rabo preso com os outros o prendeu naquela vida. Para não sofrer com revoltas teve que mudar todo seu currículo, e por isso teve que esquecer que era médico.
Naquele dia, no intervalo da palestra meu pai esperou encontrar seu amigo, porém ele fora embora, "motivos urgentes", disseram seus companheiros.
Depois de me contar essa história, e de ouvir várias vezes eu perguntando sobre várias coisas, meu pai me falo que na semana anterior àquela semana, ele estava lendo o obituário, só passando o olho. Virando a página rápido conseguiu visualizar o nome de seu amigo e em baixo uma homenagem: "Homenagem do exercito brasileiro a esse grandioso General".
- Ele nem conseguiu ser médico, nem quando morreu. - Balançou a cabeça indignado. - A gente sempre muda os planos no presente, mas e o que acontece com o futuro?

4 comentários:

  1. Gostei, só não gostei do final, mas isso realmente aconteceu ou você inventou?

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  2. aconteceu e eu tranformei em historinha!

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  3. aliás, as histórias do pensamento andarilho são baseadas, somente baseadas, em fatos reais...

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  4. A última fala é sensacional.
    A história também ficou muito boa, mesmo que seja verdadeira, contar histórias é uma arte

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